A ideia de uma semana de 4 dias de trabalho pode parecer estranha a princípio. Isso ocorre porque, em meados da década de 20, a montadora estadunidense Ford instituiu que os seus funcionários trabalhassem 5 dias na semana. Logo, ele acabou criando tendência.
A ideia da Ford, na teoria, era aumentar a produtividade e reduzir o absenteísmo ao oferecer aos funcionários dois dias de descanso semanais. Com isso, a eficácia do trabalho também aumentaria por conta dos índices de felicidade mapeados.
Na prática, existem diferenças consideráveis entre as duas modalidades. Porém, como tudo o que é novo, a semana de 4 dias de trabalho traz consigo alguns questionamentos.
Como a equipe vai dar conta da demanda de trabalho? Ela está dentro da lei? A empresa cortará parte do pagamento dos colaboradores? Como fica a produtividade?
E por falar em produtividade, muitas vezes ela é associada ao número de horas trabalhadas pelo colaborador. Contudo, para ser produtivo, o que o profissional necessita é de uma liderança que tenha o seu bem-estar como foco.
E o que a semana de 4 dias tem a ver com bem-estar? Continue lendo para saber a resposta!
- Como surgiu a semana de 4 dias de trabalho?
- Quais os principais países que aderiram à semana de 4 dias?
- Principais benefícios da semana de 4 dias
- Como funciona a jornada semanal de 4 dias no Brasil?
Boa leitura!
Como surgiu a semana de 4 dias de trabalho?
A semana de 4 dias de trabalho já é uma tendência em pauta há bastante tempo. O assunto é amplamente debatido entre organizações não-governamentais e agências focadas em melhorias e bem-estar para os colaboradores em geral.
No entanto, foi com a pandemia do COVID-19 que o assunto realmente entrou em evidência. Nesse período, os colaboradores e a liderança foram obrigados a permanecer em casa por conta do isolamento social.
Logo, o isolamento trouxe reflexões e questionamentos sobre alguns pontos importantes no que diz respeito à dinâmica do trabalho:
- A produtividade estaria mesmo conectada ao número de horas trabalhadas?
- Qual seria o impacto ambiental de milhões de veículos fora das ruas nesse período?
- Houve alguma economia em termos de contas de energia elétrica, água e outros insumos?
- Estar no escritório realmente significa estar trabalhando?
Esses mesmos pontos já eram debatidos muito antes da pandemia. O empresário e filantropo Andrew Barnes, em seu Ted Talk intitulado “The 4 Day Week”, fala sobre produtividade.
Ele diz que “os britânicos são produtivos apenas durante duas horas e meia do dia”. Para os canadenses, o número é ainda menor: uma hora e meia. Portanto, reduzir o número de dias trabalhados em troca de maior foco e produtividade seria uma boa barganha, segundo ele.
Barnes é o fundador da Perpetual Guardian, uma empresa neozelandesa do ramo de gestão patrimonial. Em 2018, a empresa lançou um projeto piloto com o objetivo de implementar a semana de 4 dias. O projeto é um sucesso desde então. Porém, a Nova Zelândia não foi o único país a aderir à semana de 4 dias.
Quais os principais países que aderiram à semana de 4 dias?
Os principais países que aderiram à semana de 4 dias são, em sua maioria, países europeus. Lugares como a Dinamarca, a França, a Espanha e até mesmo o Reino Unido estão entre os maiores entusiastas do encurtamento da semana.
Mas, foi na Islândia que a nova tendência encontrou seu maior adepto. Entre os anos de 2015 e 2019, o país conduziu um experimento nacional com a intenção de provar seu ponto. Para isso, 1% da população passou a trabalhar em escala 4×3.
O experimento resultou em alguns pontos consideráveis, tal como os sindicatos negociarem para que a redução das horas trabalhadas fosse permanente após o término do experimento. No entanto, sem prejuízo nos salários.
Além do sucesso na Europa, a semana de 4 dias cruzou as fronteiras. Os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, foram o primeiro país a estabelecer a semana de 4 dias em escala institucional. Isso significa que as entidades governamentais e até o banco central aderiram à essa nova realidade.
Apesar dos dados globais apresentados, não foram apenas países que aderiram à semana de 4 dias. Muitas empresas privadas escolheram implementar essa nova modalidade.
E as principais empresas?
Além da Perpetual Guardian, outras empresas passaram a ter uma jornada semanal de 4 dias. Sua conterrânea neozelandesa, a Unilever, foi uma delas. Em 2020, a empresa iniciou um experimento com duração de 1 ano para avaliar os resultados da implementação.
E não para por aí: a rede de fast food norte-americana, Shake Shack, iniciou uma redução da jornada de trabalho para 32 horas semanais em 2020. O experimento manteve os salários intactos e englobou um terço das filiais da rede.
Caminhando na mesma direção, a Microsoft Japão conduziu um experimento da semana de 4 dias em 2019. Ele ocorreu durante o mês de agosto e resultou em um aumento de 40% na produtividade dos funcionários contemplados.
Ainda no Japão, a gigante tecnológica Panasonic anunciou a oferta da jornada de trabalho de 4 dias para funcionários interessados.
A semana de 4 dias tem algum impacto no salário do colaborador?
Não. Um dos principais objetivos da semana de 4 dias é o de assegurar o bem-estar do colaborador. Logo, a redução salarial não contribuiria para incentivar o funcionário a aderir a essa nova modalidade de trabalho de forma positiva.
A manutenção do salário dos trabalhadores foi, inclusive, um dos pontos-chave levantados por Andrew Barnes ao integrar a semana de 4 dias em sua empresa Perpetual Guardian. Assim como na Islândia, durante o período de 4 anos para sua implementação nacional.
Como funciona a semana de 4 dias de trabalho na prática?
Depende da empresa. Existe uma tendência a se trabalhar de segunda à quinta, tendo a sexta-feira incorporada ao final de semana. Nessa modalidade, a prática da hora extra para compensar o dia de folga adicional geralmente não ocorre. Ou seja, trabalham-se 32 horas semanais.
Outras empresas, como a agência digital Versa, optaram por oferecer a quarta-feira como dia de folga aos colaboradores. O movimento ficou conhecido como No Work Wednesday, e já tem adesão de outras companhias ao redor do mundo, sobretudo na Austrália.
É o caso de outra agência digital, a Redback Solutions, que também implementou o programa de folgas às quartas-feiras. A decisão pela semana de 4 dias foi pautada ao perceber que os colaboradores se sentiam mais fatigados à medida que a semana chegava ao fim.
Quais os impactos na saúde mental do colaborador?
Os impactos na saúde mental do colaborador giram em torno do conceito de wellbeing, ou seja, o bem-estar corporativo. O funcionário trabalha mais animado ao sentir empatia por parte de seus empregadores, oferecendo maior produtividade à empresa.
Além disso, poder passar mais tempo com a família e ter tempo para lazer e atividades prazerosas também são benefícios para uma vida mais saudável. Na Islândia, os trabalhadores reportaram redução do estresse e do risco de esgotamento (síndrome de burnout).
No entanto, os benefícios não ficam apenas restritos à saúde mental dos trabalhadores. Existem outras áreas impactadas, como a social e a ambiental, como você verá a seguir.
Principais benefícios da semana de 4 dias
A semana de 4 dias surge como uma alternativa às rotinas estressantes e ao acúmulo de trabalho para as empresas. Ao desligar-se por um dia a mais, o colaborador desfruta de uma recarga emocional e física que possibilita melhor desempenho no seu retorno.
Somando ao desempenho, existem outras áreas contempladas pelos benefícios da semana de 4 dias. Aqui, elas estão divididas entre ambiental, social e corporativa.
Impactos na área ambiental
Com a redução de veículos circulando durante o dia extra de folga, houve uma queda na pegada de carbono produzida. Um estudo conduzido pelo Reino Unido em 2021 mostra que a semana de 4 dias é responsável pela diminuição de 21% da emissão de carbono.
Isso seria equivalente a remover toda a frota de carros particulares das ruas (o equivalente a 27 milhões de carros). O estudo também mostra que essa manobra ajudaria o país a atingir suas metas climáticas estabelecidas.
Impactos na área social
Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Tecnologia de Auckland mostra um aumento de 24% no equilíbrio entre a vida pessoal e profissional do trabalhador. Isso significa que o colaborador pode ampliar suas redes de relacionamento e desfrutar delas de forma mais significativa.
Outro ponto a se considerar é a responsabilidade compartilhada dos cuidados com a família. Com a semana de 4 dias, pais e cuidadores têm mais tempo para dedicar às atividades parentais e para usufruir de tempo de qualidade com suas crianças.
Impactos na área corporativa
Como não poderia deixar de ser, o setor corporativo também lucra com a semana de 4 dias. Primeiro, as empresas relataram um aumento de 18% no índice de engajamento do funcionário no quadro comparativo entre 2017 e 2021.
Além disso, houve também redução nos índices de absenteísmo, maior comprometimento com os prazos e entregas e melhora nas relações interpessoais e de equipe.
A organização não-governamental 4 Day Week também apresentou dados importantes:
- 63% dos negócios tiveram facilidade para atrair e reter talentos por conta da oferta da semana de 4 dias;
- 78% dos funcionários se sentem mais felizes e relatam menos estresse relacionado ao trabalho.
Até o momento, os benefícios e mudanças apresentadas fazem parte do escopo internacional de trabalho. E no Brasil, a semana de 4 dias foi um sucesso? Saiba mais a seguir!
Como funciona a jornada semanal de 4 dias no Brasil?
Em 2020, a Zee.Dog, empresa de artigos para pets, adotou a quarta-feira como dia de folga e desde então, relatou um aumento na produtividade de 20%.
Outra empresa a incorporar a prática em sua rotina foi a Crawly, uma startup de extração de dados de Minas Gerais. A única diferença é que a semana de 4 dias já existe desde que a empresa abriu suas portas em 2017.
Pedro Naroga, CTO da empresa, conta que ao estender o fim de semana para três dias, o recebimento de currículos e ofertas foi muito grande. Outro ponto é a diminuição drástica do turnover e da rotatividade de funcionários. “Muito raro alguém pedir pra sair”, ele comenta.
Mais recentemente, a jornada semanal de 4 dias está sendo testada por diversas empresas, proposta pela “4 Day Week Brazil” em parceria com a “4 Day Week Global”, o projeto busca reduzir o expediente sem alterar os salários, visando melhorar a produtividade e o bem-estar dos funcionários.
Mais de 20 empresas brasileiras, como Hospital Indianópolis, Editora Mol e Thanks for Sharing, estão participando do experimento. Após três meses de preparação, a fase de testes começou em janeiro de 2024, com resultados promissores. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), 61,5% das empresas notaram avanços na execução de projetos, e 58,5% relataram um aumento na criatividade.
Os benefícios não se limitaram ao ambiente de trabalho. Cerca de 58% dos funcionários conseguiram conciliar melhor a vida pessoal e profissional, houve um aumento de 78% na disposição para momentos de lazer, e reduções nos sintomas de insônia (50%) e estresse no trabalho (62,7%). Além disso, 64,9% dos participantes não se sentem desgastados no final do dia, e 56,5% não se frustram como antes.
Eduardo Hagiwara, diretor do Hospital Indianópolis, notou uma diminuição significativa nas faltas e atrasos, enquanto Simone Cyrineu, da Thanks for Sharing, observou que os funcionários estão mais engajados e utilizam o dia de folga para descanso e resolver pendências pessoais.
O experimento foi concluído em junho, com a publicação de um relatório final detalhando os resultados alcançados.
Considerando a legislação brasileira, como fica a semana de 4 dias no país?
Existe algum impedimento legal?
De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não existe impedimento legal para a adoção da semana de 4 dias. A lei diz que existe um teto, o de 44 horas semanais trabalhadas. Se o empregador quiser oferecer menos, é possível.
No entanto, é preciso ter atenção com igualdade e justiça. O valor das horas trabalhadas precisa ser o mesmo para todos os colaboradores. Além disso, é preciso manter os valores pagos do 13º e das férias remuneradas, sem nenhum prejuízo ao trabalhador.
Conclusão
Como disse Andrew Barnes, CEO da Perpetual Guardian: “estamos presos em um modelo de trabalho do século XIX. Porém, estamos no século XXI”. Isso significa que não é possível lidar com demandas do presente utilizando métodos do passado. É preciso evoluir.
Essa evolução vem quando o colaborador é o centro das mudanças e das melhorias na empresa. Ao valorizar seu capital humano, o setor corporativo tem resultados imediatos e significativos, como o aumento da produtividade e do lucro.
E não somente isso: a sociedade, como um todo, ganha com a semana de 4 dias. Famílias podem ter mais tempo de qualidade e relacionamentos são solidificados.
Quando o colaborador sente que a sua rotina não é desgastante e entrega seu potencial máximo no trabalho, todos ganham. Portanto, a implementação da semana de 4 dias é uma tendência que ganhará cada vez mais adeptos ao redor do mundo.
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