Um dos momentos mais delicados da relação trabalhista é a demissão de um funcionário. Essa realidade é ainda mais desafiadora quando a demissão ocorre por justa causa, ou seja, proveniente de algum ato grave cometido pelo colaborador.
Estima-se que no Brasil, o número de demissões por justa causa bateu recorde no início do ano de 2024, com 39.511 casos. Esse é o maior número em uma década, segundo um levantamento da LCA Consultores.
Até por isso, uma demissão por justa causa exige da empresa um conhecimento minucioso da legislação trabalhista e dos motivos que podem levar a tomar esse tipo de decisão para romper o vínculo empregatício.
É imprescindível que na justa causa a empresa tenha provas concretas que embasam essa decisão, uma vez que ela precisará apresentá-las à justiça trabalhista.
Sabendo dos desafios em torno da CLT que se relacionam à justa causa, este artigo vai abordar as seguintes questões em torno do tema, para tentar ajudar sua empresa a ficar por dentro do assunto:
- O que é a justa causa?
- Quais os motivos que podem ocasionar a justa causa?
- Quais os direitos do trabalhador na justa causa?
- Quais direitos pela CLT ficam isentos na justa causa?
- Setor público e privado: diferenças na justa causa
- Como evitar a demissão por justa causa?
- Dúvidas frequentes sobre justa causa
Boa leitura!
O que é a justa causa?
O termo “justa causa” se explica como um ato grave cometido por alguém, como o descumprimento de determinada obrigação ou acordo, que leva à perda de confiança entre as partes envolvidas, provocando o corte de relações.
No mercado de trabalho, a justa causa é um dos tipos de demissão que é decorrente de uma conduta grave do empregado para com a empresa que ele atua.
Quando isso acontece, a empresa tem o direito de demitir o colaborador por justa causa, encerrando o vínculo empregatício.
A demissão por justa causa CLT está prevista na legislação trabalhista, que inclusive cita possíveis condutas que podem levar a esse tipo de demissão, como abandono do trabalho, atos de improbidade, indisciplinas, insubordinação e outros.
O que diz o Artigo 482 da CLT?
O Artigo 482 da CLT funciona como base para que a empresa tenha em mãos os principais motivos que podem levar à justa causa.
Ou seja, por meio deste Artigo, fica mais fácil identificar os atos graves que a lei considera para que a empresa tenha o direito de demitir um colaborador por justa causa. Mais a frente, serão citadas quais são as condutas passíveis de justa causa na CLT.
O que a nova lei de 2023 diz sobre a demissão por justa causa?
Com a Reforma Trabalhista de 2023, surgiram novidades significativas, Entretanto, em relação à demissão, a última alteração foi em 2017, que trata da rescisão por acordo.
O artigo 484-A, inserido pela Lei nº 13.467/2017, estabelece que o contrato de trabalho pode ser extinto por acordo entre empregado e empregador, garantindo ao trabalhador algumas verbas rescisórias. Essa medida oferece uma alternativa à demissão por justa causa, possibilitando um término de contrato mais amigável e negociado.
Além disso, é importante destacar que, apesar das discussões recentes no STF sobre a aplicação da Convenção nº 158 da OIT, que estabelece condições para demissão sem justa causa, a legislação atual ainda permite a demissão por justa causa no Brasil. Qualquer mudança nesse sentido dependerá de novas decisões judiciais ou alterações legislativas.
Portanto, é fundamental que empregadores e colaboradores estejam atentos às atualizações na legislação trabalhista e às decisões dos tribunais para garantir que estejam em conformidade com a lei e proteger os direitos de ambas as partes envolvidas
Quais são os tipos de demissão na CLT?
A CLT prevê cinco tipos de demissão. Cada um deles possui suas próprias características, que levam em conta determinadas motivações para que a empresa possa identificar qual o modelo de desligamento adequado. Conheça a seguir as características de cada tipo.
Demissão por justa causa
Como dito anteriormente, a demissão por justa causa acontece quando um empregado comete algum ato grave dentro da empresa, que motiva a companhia a tomar uma decisão que leva à rescisão contratual.
Demissão sem justa causa
A demissão sem justa causa ocorre quando a empresa não possui nenhum motivo aparente para quebrar o vínculo empregatício. Isto quer dizer que ela não precisa justificar o porquê está desligando o colaborador.
Isso pode acontecer por corte de custos ou falta de produtividade, por exemplo. Ao ser demitido sem justa causa, o colaborador terá direito a benefícios como 40% da multa sobre o saldo do FGTS, seguro-desemprego e aviso-prévio indenizado.
Pedido de demissão
O pedido de demissão, como o nome diz, acontece quando o empregado decide se desligar da empresa. Neste tipo de demissão, o colaborador perde o direito a seguro-desemprego, aviso-prévio e multa do FGTS, e não poderá movimentar sua conta do FGTS.
Demissão por acordo trabalhista
Esse tipo de demissão era comum, porém não estava previsto na CLT. Ele passou a ser algo legal a partir da Reforma Trabalhista de 2017. A demissão por acordo trabalhista ocorre quando empregador e empregado aceitam a rescisão contratual.
Diferentemente da demissão por justa causa, na demissão por acordo trabalhista o colaborador poderá movimentar 80% do FGTS e receberá 20% da multa sobre o fundo de garantia.
Demissão indireta
A demissão indireta acontece quando a empresa descumpre com o que foi acordado com o colaborador ou não segue o que está previsto na legislação trabalhista. A partir daí, o colaborador, que se sentiu lesado, pode pleitear a rescisão contratual.
Ela pode acontecer quando a empresa exige jornadas em excesso e não remunera o colaborador ou quando ela não oferece segurança do trabalho.
Quais os motivos que podem ocasionar a justa causa?
Os motivos pelos quais o empregador tem o direito de demitir o colaborador por justa causa, como já mencionado, estão previstos no Artigo 482. De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho, as causas principais que podem levar a esse tipo de demissão são:
“Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
- a) ato de improbidade;
- b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
- c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
- d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
- e) desídia no desempenho das respectivas funções;
- f) embriaguez habitual ou em serviço;
- g) violação de segredo da empresa;
- h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
- i) abandono de emprego;
- j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- l) prática constante de jogos de azar.
- m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.”
O que é desídia justa causa?
Previsa no Item E do Artigo 482, a desídia consiste na displicência, no desinteresse do colaborador em relação às tarefas que lhe foram previamente determinadas pela empresa.
Em outras palavras, a desídia é o descaso do empregado com o seu trabalho diário.
É importante ressaltar, no entanto, que a desídia só ocorre em caso de atos recorrentes. Isso quer dizer que ela só acontece com faltas e atrasos rotineiros.
Previamente à justa causa por desídia, a organização costuma aplicar multas e advertências, antes de decidir pela demissão do colaborador.
Contudo, para que a desídia justa causa seja comprovada, a empresa precisa ter provas concretas em relação a esse descaso do empregado com o que lhe foi proposto em sua função.
Quais os direitos do trabalhador na justa causa?
Os profissionais demitidos, mesmo que motivados por justa causa, têm direitos garantidos pela lei. Confira quais são:
Férias vencidas
Se houver férias vencidas no momento da justa causa, o empregado também receberá os valores correspondentes a esse benefício. Esse valor corresponde ao valor das férias mais o acréscimo de ⅓.
Saldo de salário
O saldo de salário corresponde ao valor de dias trabalhados em determinado período. Mesmo sendo demitido por justa causa, o empregado tem o direito de receber esse valor.
Além de receber o pagamento proporcional por esse período, o saldo de salário também leva em conta horas extras e adicionais. Para fazer esse cálculo, a empresa pode dividir o salário total por 30 e multiplicar pelos dias trabalhados.
Salário família
O salário família é destinado às famílias de baixa renda, que possuem filhos com algum tipo de deficiência ou de até 14 anos. A proposta é que o valor sirva como um complemento familiar para essas famílias.
O trabalhador demitido por justa causa e que recebe o salário família terá direito ao valor proporcional do salário família pelos dias trabalhados, caso ocorra a justa causa.
Quais direitos pela CLT ficam isentos na justa causa?
Apesar de a legislação trabalhista garantir aos trabalhadores demitidos por justa causa alguns direitos, o colaborador também acaba perdendo alguns deles caso o vínculo empregatício acabe devido a alguma das infrações graves que motivaram a justa causa.
Os direitos pela CLT que ficam isentos na justa causa são:
Aviso-prévio
No aviso-prévio, a empresa comunica que haverá a rescisão do vínculo empregatício com pelo menos 30 dias de antecedência.
Nesse caso, a empresa decide pelo aviso trabalhado, quando o colaborador cumpre mais 30 dias e recebe o seu salário integral, ou pelo aviso indenizado, quando o colaborador não vai mais à empresa e recebe uma indenização neste sentido.
Entretanto, esse benefício só é um direito se a demissão for sem justa causa; no caso de demissão por justa causa, a empresa fica isenta de cumprir com o aviso-prévio.
Férias proporcionais
Se o trabalhador não completou 12 meses de trabalho e sai da empresa neste período, pela lei, ele tem direito às férias proporcionais. Contudo, se a demissão for por justa causa, ele perde esse direito.
No caso, ele só receberá valores correspondentes a férias, se houver férias vencidas.
13º salário
O 13º salário é um benefício pago anualmente pela empresa aos colaboradores. Se um profissional é demitido sem justa causa, mesmo que não tenha completado 12 meses de trabalho naquele período, ele receberá o pagamento proporcional do benefício.
Porém, na justa causa ele perde esse direito, e não recebe nenhum valor referente ao 13º salário na sua saída.
FGTS
Empregados demitidos sem justa causa recebem 40% de multa sobre o saldo do FGTS e têm direito de movimentar esses valores. Não é o caso de quem é demitido por justa causa.
Quem sai por justa causa perde o direito de receber a multa de 40%, e não poderá movimentar os valores disponíveis na conta do FGTS.
Seguro-desemprego
A demissão por justa causa também retira do colaborador o direito de receber o seguro-desemprego.
Esse benefício é concedido em caso de demissões sem justa causa, e serve de apoio para que o colaborador demitido se mantenha recebendo um valor enquanto busca uma outra oportunidade no mercado de trabalho.
Setor público e privado: diferenças na justa causa
A demissão por justa causa possui diferenças entre o setor público e o privado. A principal delas está relacionada à estabilidade do cargo que os servidores públicos possuem.
A estabilidade funciona como uma garantia de permanência do colaborador no serviço público. Sendo assim, após o período de três anos de trabalho para o setor, não é possível que um funcionário seja demitido sem justa causa.
Lembrando que esse direito é direcionado a funcionários concursados e está previsto na Constituição Federal.
Outra diferença é que os motivos que levam um empregado à demissão também mudam entre setores público e privado.
Enquanto no regime celetista a base é a CLT, no serviço público as determinações estão previstas na Lei n.º 8.112/90, do Estatuto dos Servidores Públicos da União. Assim, diz o Artigo 132 da Lei que o servidor público só pode ser demitido nos seguintes casos:
“Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I – crime contra a administração pública;
II – abandono de cargo;
III – inassiduidade habitual;
IV – improbidade administrativa;
V – incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI – insubordinação grave em serviço;
VII – ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
VIII – aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX – revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X – lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI – corrupção;
XII – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII – transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.”
Como evitar a demissão por justa causa?
A demissão por justa causa é um processo sério que pode ter consequências negativas tanto para o empregador quanto para o empregado.
Para a empresa, significa a perda de um colaborador, possíveis custos com processos trabalhistas e danos à sua reputação. Para o trabalhador, a demissão por justa causa gera o desligamento imediato sem direito ao aviso prévio, seguro-desemprego e FGTS, além de dificultar a recolocação no mercado de trabalho.
Felizmente, existem medidas que podem ser tomadas para reduzir significativamente as chances de uma demissão por justa causa acontecer.
Vamos explorar algumas boas práticas para ambas as partes:
Boas práticas para o colaborador
Para evitar a demissão por justa causa, o colaborador deve estar atento às suas responsabilidades e obrigações previstas no contrato de trabalho e nas normas da empresa. Confira algumas dicas a seguir:
- Conheça as obrigações: É importante que o colaborador esteja ciente das suas responsabilidades no ambiente de trabalho, bem como das políticas e regulamentos da empresa.
- Comunique-se abertamente: Mantenha uma comunicação aberta e honesta com seus superiores. Se surgir algum problema ou dificuldade, não hesite em discuti-lo antes que se torne um grande problema.
- Cumpra prazos e metas: Demonstre comprometimento com seu trabalho cumprindo prazos e metas estabelecidos.
- Respeite seus colegas: Mantenha um ambiente de trabalho saudável, respeitando seus colegas de trabalho e evitando conflitos desnecessários.
Boas práticas para o RH e DP
O departamento de Recursos Humanos (RH) e o setor de Departamento Pessoal (DP) desempenham um papel fundamental na prevenção de demissões por justa causa.
Através de ações estratégicas, é possível promover um ambiente de trabalho saudável e reduzir as chances de que faltas graves sejam cometidas. Veja algumas dicas:
- Implemente políticas claras: Desenvolva e comunique políticas claras sobre conduta no local de trabalho, ética e procedimentos disciplinares. Certifique-se de que todos os funcionários tenham acesso a essas informações.
- Promova o diálogo: Incentive um ambiente onde os funcionários se sintam à vontade para discutir problemas e preocupações.
- Ofereça treinamentos: Forneça treinamento regular sobre questões legais e éticas relevantes para o local de trabalho. Isso pode ajudar os funcionários a entender melhor suas responsabilidades e evitar comportamentos inadequados.
- Avalie regularmente: Realize avaliações de desempenho regulares para identificar problemas de conduta ou desempenho antes que se tornem graves o suficiente para justificar uma demissão por justa causa.
Adotando essas práticas, tanto os colaboradores quanto os departamentos de RH e DP podem contribuir para criar um ambiente de trabalho saudável e produtivo, minimizando as chances de demissões por justa causa.
Dúvidas frequentes sobre justa causa
A justa causa, apesar de estar claro na CLT que é um modelo de demissão motivado por uma infração grave do empregado para com a empresa, ainda gera algumas dúvidas, que vão desde a possibilidade do colaborador recorrer da rescisão a fraudes no controle de ponto.
A seguir você confere três questões frequentes em torno da justa causa.
Funcionário pode recorrer da justa causa?
Sim! O colaborador que se sentir lesado e não concordar com a demissão por justa causa pode recorrer à justiça para que haja uma reavaliação da sua saída.
O empregado, para recorrer da decisão, precisa inicialmente recusar a assinatura do termo de rescisão por justa causa CLT, e deve apresentar provas contra a decisão da empresa.
Se a justiça decidir a favor do empregado, a justa causa pode virar uma demissão sem justa causa ou por comum acordo, e em alguns casos a empresa pode ter que pagar uma indenização para o empregado que alegue danos morais.
O que acontece se o colaborador não assinar a justa causa?
A assinatura do colaborador é importante na justa causa, mas não é um fator determinante para que a empresa siga com a demissão e a concretize.
Se o colaborador se recusar a assinar o documento, que é um atestado de que houve a falta grave que motivou a justa causa, basta a empresa colher a assinatura de duas testemunhas que façam parte do quadro de funcionários e que atestam os fatos.
Fraude no controle de ponto gera justa causa?
Com certeza! Se a empresa comprovar que o colaborador fraudou o registro de ponto, ela adquire automaticamente o direito de demitir o funcionário por justa causa.
No mercado, uma fraude conhecida é a chamada “ponto amigo”, que ocorre quando um funcionário acaba escondendo a ausência, o atraso ou a falta de outro colaborador, exercendo a função deste ou assinando a folha de ponto por ele.
Isso ocorre principalmente em empresas que não possuem uma plataforma de controle de ponto moderna.
Atualmente, muitas dessas plataformas contam com diversas medidas antifraude, além de oferecer opções de registro como reconhecimento facial, por voz, biometria e outros, que dificultam qualquer tipo de fraude no registro de ponto.
Conclusão
A justa causa é, sem dúvidas, um assunto muito delicado, como foi mostrado neste conteúdo.
Se a empresa não tem conhecimento da lei e das principais questões que giram em torno do tema, ela pode errar em uma tomada de decisões e demitir o funcionário sem um motivo contundente. Qualquer erro nesse sentido pode acarretar punições judiciais trabalhistas.
Por isso, o departamento pessoal precisa sempre estar a par dos direitos do colaborador e da própria empresa em torno da CLT. Afinal, em uma demissão por justa causa, a empresa precisa conhecer os motivos previstos na lei e que podem levar a esse tipo de rescisão.
Neste conteúdo, você pôde ficar por dentro do tema, inclusive sabendo as respostas para algumas dúvidas recorrentes sobre o assunto, como a possibilidade de o colaborador recorrer da decisão e o que aconteceria se o empregado se recusasse a assinar a justa causa.
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